Qual
é a situação religiosa e social no Haiti?
Primeiro, vamos situar o Haiti.
O Haiti é um país do Caribe ou da
América central cuja população é estimada de 10 milhões de habitantes. Tem duas
línguas oficiais: francês e crioulo.
A situação do país se agrava tanto no
campo político, no econômico e quanto ao social. A sua realidade social deve o
seu ponto de partida na classe política. Esta traz ao país enormes
consequências: crises, corrupção, violência, ocupação militar, etc. Além disso,
a desigualdade é outra questão social. No que diz respeito ao problema da
violência, o Haiti não é um país violento. A violência está diretamente
relacionada com as eleições, mas também essa violência tem a ver na situação
empobrecida que vive o país. É um país em ira contra seus dirigentes que não
conseguem enxergar a realidade e a necessidade do povo.
A instabilidade política é outro ponto
necessário a ser destacado. Desde 2004, após a saída do ex-presidente
Jean-Bertrand Aristide no poder, os espaços do Haiti, isto é, o seu mar, o seu
território, o seu espaço aéreo, todos ocupados militarmente. Como falar nesse
sentido de Soberania Haitiana? Acredito que a soberania e os direitos do povo
estão seriamente feridos. Como falar, nesse sentido, de um país independente,
se está privado de sua autonomia política?
As diversas crises surgidas na
sociedade haitiana são o resultado da instabilidade política e isso afeta negativamente
o crescimento sociopolítico e econômico. Assim, não duvido que o problema do
Haiti seja nada mais do que um problema
sociopolítico de onde vieram os diversos problemas existentes no país,
agravado pelo terremoto de 2010. Para agravar ainda a situação, a mídia
internacional insiste no uso e na divulgação de imagens tiradas de favelas,
levando os telespectadores e ouvintes em erro e forçando-os a acreditar que o
Haiti é apenas um país de pobreza. Em outras palavras, a mídia mostra a face da
pobreza e esconde a riqueza. Sendo assim, todo mundo acaba acreditando nessa
falsa imagem produzida e apresentada. O que está por trás é uma questão de
interesse político.
A
situação religiosa do Haiti
O Haiti é um país predominante cristão. Falar da situação religiosa do Haiti,
cabe-nos um enorme trabalho com muitos assuntos. Quero me delimitar com a
realidade pastoral.
A Pastoral da
Igreja consiste em continuar a ação de Jesus Cristo. Em relação à prática da
pastoral da Igreja do Haiti, pode-se perceber que há uma carência ou uma
insuficiência por falta de compromisso, de comunhão, de responsabilidade, de
lideranças e de ações concretas.
Houve um grande
compromisso cristão, inspirado na Teologia da Libertação, que buscava defender
a mesma causa para uma sociedade haitiana mais digna e livre. Eram comunidades
cristãs que se reuniam para compartilhar a Palavra de Deus e depois para agir. Hoje,
não se vê um projeto pastoral centralizado na urgência de pôr em prática uma
evangelização libertadora.
Como pode o pobre
viver em paz se ele não tem direitos de acesso e uma adequada qualidade de
vida?
Como ele pode viver
feliz se seus governantes são guiados pelo desejo de lucro e pela sede de poder
buscando seus próprios interesses?
Como ele pode viver
em paz se o bem comum não está em seu serviço, se não de uma minoria?
Diante dos diversos
problemas que afundam a vida do povo, torna-se necessário descobrir os caminhos
e colaborar nas soluções. Para isso, é preciso uma responsabilidade comum. Assim, acho que a Igreja do
Haiti deve se mover um pouco mais, criando uma nova perspectiva pastoral, uma
nova visão da realidade, uma nova estratégia, uma nova metodologia, etc. Uma
nova perspectiva pastoral torna-se o elemento-chave para realizar uma pastoral
mais eficaz que seja capaz de enfrentar a situação atual do país e que possa
levar a um processo de conscientização.
No Brasil, por
exemplo, acontece todos os anos, a Campanha
da Fraternidade, que tem como objetivo promover o debate público sobre
questões graves que afetam o país e os seus cidadãos. Por exemplo, este ano, o
tema proposto é: Igreja e sociedade. Lema: “Eu vim para servir (Cf. Mc 10,45)”.
Olhando assim para a realidade haitiana, questiona-se uma campanha semelhante,
levando em consideração a releitura de alguns documentos do CELAM, como Medellín e Puebla, sob o
impulso renovador do espírito do Concílio Vaticano II.
Qual é o significado da presença do
ex-presidente Jean-Bertrand Aristide na presidência do Haiti?
Jean-Bertrand Aristide, quando exercia o seu sacerdócio, era uma das
figuras centrais de processo pela libertação, pois as suas homilias chamavam
atenção e mexiam contra muitos que exploravam e oprimiam o povo. Jean-Bertrand
Aristide como outros padres, tinham desenvolvido no conjunto uma visão
teológica libertadora carregada de esperanças. Eles acompanhavam o povo
haitiano nas suas lutas denunciando as estruturas dos pecados nos quais o povo
se encontrava e continua se encontrando até hoje.
Infelizmente, o ex-padre Jean-Bertrand Aristide se deixou seduzir pela
política. Eleito presidente do Haiti duas vezes, sendo as duas vezes derrubado
do poder. A sua primeira queda foi um golpe dado pelo Exército Haitiano.
Três anos mais tarde depois de ser reeleito, foi obrigado, sob pressões
internacionais e da oposição do país, a deixar o país. Assim, disse-se ser
vítima de um sequestro ou de outro golpe de estado.
Voltando ao segundo exílio, dedica-se à educação. Não tem uma
participação pública ou talvez ativa na vida da política no país. Muitos da
opinião pública consideram o retorno dos exilados, como por exemplo, o
ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, uma grande ameaça, pois pode contribuir
na violência dentro do país. Outros acham normal, o retorno dos políticos
exilados. Vejo isso com bons olhos como um processo de diálogo para reconstruir
o país, mas coisa que até hoje não está acontecendo. Sua presença é como um
processo de reconciliação nacional e o fortalecimento do processo da democracia
no Haiti. Para mim, é a maior conquista da democracia no Haiti, depois da queda
da ditadura: a volta dos exilados.
Que importância tem a atual presença
do Exército Brasileira no Haiti?
Desde 2004, após a queda do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, o
Haiti é ocupado militarmente até os nossos dias por forças armadas compostas de
várias nações, chefiadas pelo Brasil. O objetivo dessa missão é pacificar e
estabilizar o país. Após o terremoto que arrasou o país, as forças armadas
foram se aumentando. A presença dessas forças armadas é muito importante, pois
a Polícia Nacional do país não podia manter sob controle a situação após a
queda do ex-presidente.
É já uma década. O mundo que observa pode se perguntar: o que se tem
realizado ao longo desses anos no país?
Dos diversos países que têm suas forças armadas no Haiti, o povo
haitiano se adapta bem melhor com os brasileiros. Creio que o futebol é o
elemento principal que promove essa aproximação com mais facilidade. A presença
deles continua sendo muito importante, pois não há ainda uma força confiável
para manter e controlar a segurança no país. Parece que o Brasil está
desenvolvendo um papel muito importante no comando dessa missão, pois faz uma
década.
Algo
a dizer em relação aos migrantes haitianos?
A presença dos migrantes abre grandes interesses no
campo antropológico, cultural, religioso, etc. Assim, muitos estudantes se
interessam em conhecer melhor a história do Haiti e a sua migração. No entanto,
há muitos mal-entendidos quanto ao país e essa atual migração. Muitos pensam
que o Haiti é um país paupérrimo, como a mídia vem divulgando, como se lá só
houvesse pobreza. Essa insistência sobre a pobreza do Haiti é uma questão de
interesse que vem adotando a Comunidade Internacional.
Com essa migração, o Brasil está mostrando para o
mundo inteiro que é certamente um país acolhedor e que cresce economicamente,
pois todos os migrantes que chegam, trabalham.
Os migrantes não são vistos só como trabalhadores, mas também como
estudantes, pois o Brasil ultimamente tem oferecido 83 vagas em 21 cursos de
graduação aos haitianos, na UNILA: Universidade
Federal da Integração Latino-americana, em Foz do Iguaçu – PR. Isso
simboliza um reconhecimento de que os migrantes fazem parte da construção da
história do Brasil e que cabe à universidade pública incluir essa comunidade
qualitativa, como explicou a pró-reitora, Gisele Ricobom.
A migração haitiana hoje está espalhada em todo o
Brasil. A falta de mão de obra exige as empresas à procura de migrantes. É
assim que a migração haitiana vem se expandindo muito. Os migrantes haitianos
estão mais concentrados nas cidades brasileiras industrializadas, fábricas,
frigoríficos, construções, etc. Por exemplo, nas cidades industrializadas
gaúchas muitos se encontram trabalhando. A queixa mais comum deles é o dinheiro
(conversão do real em dólar), o aluguel, o salário e a língua.
Considerações
finais
Sinto-me muito agradecido por ter
recebido a minha formação teológico-pastoral no Brasil. Penso que não teria um melhor
lugar como o Brasil que poderia recebê-la. Atuamos de forma positiva sobre a
sociedade na medida em que somos capazes de desenvolver projetos que a
transformam com o desejo de mudar a realidade em que vivemos. Assim, a
experiência de nossa fé cristã não pode deixar de levar a uma preocupação
constante para a construção de um mundo mais humano. Desta maneira, somos
chamados a dar, à luz do evangelho, uma contribuição para a humanização da
sociedade com a mensagem do Evangelho como uma força libertadora que leva à
conversão do coração e da mentalidade.
[1]
Nasceu no Haiti. Formou-se no Brasil, São Paulo, 2008-2012. Ordenou-se padre no
Haiti – Porto Príncipe em 2013. Atualmente trabalha como vigário na paróquia
São Pedro de Encantado –RS.
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