sábado, 14 de março de 2015

Entrevista – Pe. Pierre Dieucel: Haiti


14/03/2015


Entrevista para o Jornal Integração – Pe. Pierre Dieucel[1]

Qual é a situação religiosa e social no Haiti?
Primeiro, vamos situar o Haiti.
O Haiti é um país do Caribe ou da América central cuja população é estimada de 10 milhões de habitantes. Tem duas línguas oficiais: francês e crioulo.
A situação do país se agrava tanto no campo político, no econômico e quanto ao social. A sua realidade social deve o seu ponto de partida na classe política. Esta traz ao país enormes consequências: crises, corrupção, violência, ocupação militar, etc. Além disso, a desigualdade é outra questão social. No que diz respeito ao problema da violência, o Haiti não é um país violento. A violência está diretamente relacionada com as eleições, mas também essa violência tem a ver na situação empobrecida que vive o país. É um país em ira contra seus dirigentes que não conseguem enxergar a realidade e a necessidade do povo.
A instabilidade política é outro ponto necessário a ser destacado. Desde 2004, após a saída do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide no poder, os espaços do Haiti, isto é, o seu mar, o seu território, o seu espaço aéreo, todos ocupados militarmente. Como falar nesse sentido de Soberania Haitiana? Acredito que a soberania e os direitos do povo estão seriamente feridos. Como falar, nesse sentido, de um país independente, se está privado de sua autonomia política?  
As diversas crises surgidas na sociedade haitiana são o resultado da instabilidade política e isso afeta negativamente o crescimento sociopolítico e econômico. Assim, não duvido que o problema do Haiti seja nada mais do que um problema sociopolítico de onde vieram os diversos problemas existentes no país, agravado pelo terremoto de 2010. Para agravar ainda a situação, a mídia internacional insiste no uso e na divulgação de imagens tiradas de favelas, levando os telespectadores e ouvintes em erro e forçando-os a acreditar que o Haiti é apenas um país de pobreza. Em outras palavras, a mídia mostra a face da pobreza e esconde a riqueza. Sendo assim, todo mundo acaba acreditando nessa falsa imagem produzida e apresentada. O que está por trás é uma questão de interesse político. 

A situação religiosa do Haiti
O Haiti é um país predominante cristão.  Falar da situação religiosa do Haiti, cabe-nos um enorme trabalho com muitos assuntos. Quero me delimitar com a realidade pastoral.
A Pastoral da Igreja consiste em continuar a ação de Jesus Cristo. Em relação à prática da pastoral da Igreja do Haiti, pode-se perceber que há uma carência ou uma insuficiência por falta de compromisso, de comunhão, de responsabilidade, de lideranças e de ações concretas.
Houve um grande compromisso cristão, inspirado na Teologia da Libertação, que buscava defender a mesma causa para uma sociedade haitiana mais digna e livre. Eram comunidades cristãs que se reuniam para compartilhar a Palavra de Deus e depois para agir. Hoje, não se vê um projeto pastoral centralizado na urgência de pôr em prática uma evangelização libertadora.
Como pode o pobre viver em paz se ele não tem direitos de acesso e uma adequada qualidade de vida?
Como ele pode viver feliz se seus governantes são guiados pelo desejo de lucro e pela sede de poder buscando seus próprios interesses?
Como ele pode viver em paz se o bem comum não está em seu serviço, se não de uma minoria?
Diante dos diversos problemas que afundam a vida do povo, torna-se necessário descobrir os caminhos e colaborar nas soluções. Para isso, é preciso uma responsabilidade comum. Assim, acho que a Igreja do Haiti deve se mover um pouco mais, criando uma nova perspectiva pastoral, uma nova visão da realidade, uma nova estratégia, uma nova metodologia, etc. Uma nova perspectiva pastoral torna-se o elemento-chave para realizar uma pastoral mais eficaz que seja capaz de enfrentar a situação atual do país e que possa levar a um processo de conscientização.
No Brasil, por exemplo, acontece todos os anos, a Campanha da Fraternidade, que tem como objetivo promover o debate público sobre questões graves que afetam o país e os seus cidadãos. Por exemplo, este ano, o tema proposto é: Igreja e sociedade. Lema: “Eu vim para servir (Cf. Mc 10,45)”. Olhando assim para a realidade haitiana, questiona-se uma campanha semelhante, levando em consideração a releitura de alguns documentos do CELAM, como Medellín e Puebla, sob o impulso renovador do espírito do Concílio Vaticano II.

Qual é o significado da presença do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide na presidência do Haiti?
Jean-Bertrand Aristide, quando exercia o seu sacerdócio, era uma das figuras centrais de processo pela libertação, pois as suas homilias chamavam atenção e mexiam contra muitos que exploravam e oprimiam o povo. Jean-Bertrand Aristide como outros padres, tinham desenvolvido no conjunto uma visão teológica libertadora carregada de esperanças. Eles acompanhavam o povo haitiano nas suas lutas denunciando as estruturas dos pecados nos quais o povo se encontrava e continua se encontrando até hoje.
Infelizmente, o ex-padre Jean-Bertrand Aristide se deixou seduzir pela política. Eleito presidente do Haiti duas vezes, sendo as duas vezes derrubado do poder. A sua primeira queda foi um golpe dado pelo Exército Haitiano.
Três anos mais tarde depois de ser reeleito, foi obrigado, sob pressões internacionais e da oposição do país, a deixar o país. Assim, disse-se ser vítima de um sequestro ou de outro golpe de estado.
Voltando ao segundo exílio, dedica-se à educação. Não tem uma participação pública ou talvez ativa na vida da política no país. Muitos da opinião pública consideram o retorno dos exilados, como por exemplo, o ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, uma grande ameaça, pois pode contribuir na violência dentro do país. Outros acham normal, o retorno dos políticos exilados. Vejo isso com bons olhos como um processo de diálogo para reconstruir o país, mas coisa que até hoje não está acontecendo. Sua presença é como um processo de reconciliação nacional e o fortalecimento do processo da democracia no Haiti. Para mim, é a maior conquista da democracia no Haiti, depois da queda da ditadura: a volta dos exilados.

Que importância tem a atual presença do Exército Brasileira no Haiti?
Desde 2004, após a queda do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, o Haiti é ocupado militarmente até os nossos dias por forças armadas compostas de várias nações, chefiadas pelo Brasil. O objetivo dessa missão é pacificar e estabilizar o país. Após o terremoto que arrasou o país, as forças armadas foram se aumentando. A presença dessas forças armadas é muito importante, pois a Polícia Nacional do país não podia manter sob controle a situação após a queda do ex-presidente.
É já uma década. O mundo que observa pode se perguntar: o que se tem realizado ao longo desses anos no país?
Dos diversos países que têm suas forças armadas no Haiti, o povo haitiano se adapta bem melhor com os brasileiros. Creio que o futebol é o elemento principal que promove essa aproximação com mais facilidade. A presença deles continua sendo muito importante, pois não há ainda uma força confiável para manter e controlar a segurança no país. Parece que o Brasil está desenvolvendo um papel muito importante no comando dessa missão, pois faz uma década.

Algo a dizer em relação aos migrantes haitianos?
A presença dos migrantes abre grandes interesses no campo antropológico, cultural, religioso, etc. Assim, muitos estudantes se interessam em conhecer melhor a história do Haiti e a sua migração. No entanto, há muitos mal-entendidos quanto ao país e essa atual migração. Muitos pensam que o Haiti é um país paupérrimo, como a mídia vem divulgando, como se lá só houvesse pobreza. Essa insistência sobre a pobreza do Haiti é uma questão de interesse que vem adotando a Comunidade Internacional.
Com essa migração, o Brasil está mostrando para o mundo inteiro que é certamente um país acolhedor e que cresce economicamente, pois todos os migrantes que chegam, trabalham.  Os migrantes não são vistos só como trabalhadores, mas também como estudantes, pois o Brasil ultimamente tem oferecido 83 vagas em 21 cursos de graduação aos haitianos, na UNILA: Universidade Federal da Integração Latino-americana, em Foz do Iguaçu – PR. Isso simboliza um reconhecimento de que os migrantes fazem parte da construção da história do Brasil e que cabe à universidade pública incluir essa comunidade qualitativa, como explicou a pró-reitora, Gisele Ricobom.
A migração haitiana hoje está espalhada em todo o Brasil. A falta de mão de obra exige as empresas à procura de migrantes. É assim que a migração haitiana vem se expandindo muito. Os migrantes haitianos estão mais concentrados nas cidades brasileiras industrializadas, fábricas, frigoríficos, construções, etc. Por exemplo, nas cidades industrializadas gaúchas muitos se encontram trabalhando. A queixa mais comum deles é o dinheiro (conversão do real em dólar), o aluguel, o salário e a língua.

Considerações finais
Sinto-me muito agradecido por ter recebido a minha formação teológico-pastoral no Brasil. Penso que não teria um melhor lugar como o Brasil que poderia recebê-la. Atuamos de forma positiva sobre a sociedade na medida em que somos capazes de desenvolver projetos que a transformam com o desejo de mudar a realidade em que vivemos. Assim, a experiência de nossa fé cristã não pode deixar de levar a uma preocupação constante para a construção de um mundo mais humano. Desta maneira, somos chamados a dar, à luz do evangelho, uma contribuição para a humanização da sociedade com a mensagem do Evangelho como uma força libertadora que leva à conversão do coração e da mentalidade.





[1] Nasceu no Haiti. Formou-se no Brasil, São Paulo, 2008-2012. Ordenou-se padre no Haiti – Porto Príncipe em 2013. Atualmente trabalha como vigário na paróquia São Pedro de Encantado –RS.

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