Pierre Dieucel
Este presente artigo pretende ser uma
tentativa de reflexão sobre o Haiti. Não quer ser uma crítica, mas um olhar de
fé sobre a situação do país e, ao mesmo tempo, propor um caminho, à luz do
evangelho, que poderia contribuir para uma nova perspectiva pastoral.
Inicialmente, irei mostrar, a meu ver, em que
consiste o verdadeiro problema do Haiti do qual decorrem outros diversos
problemas existentes. Depois de levantar o problema e estar ciente da situação,
serão notados, como necessidade, o desenvolvimento e a implementação de um
plano de ação. Daí uma necessidade pastoral.
Finalmente, a nossa reflexão será encerrada
com uma sugestão ou proposta pastoral que possa contribuir na transformação da
realidade.
O
que essa reflexão não pretende: Em nossa reflexão, não
temos a intenção de misturar religião e política senão mostrar de que se trata
do problema do Haiti e sentir a necessidade de uma conscientização.
1- Realidades e Desafios
Problema
todo mundo tem
Quem
não tem?
Cada
país tem seus próprios problemas
Quem
não tem?
Atuamos de forma positiva sobre a sociedade
na medida em que somos capazes de desenvolver projetos que a transformam com o
desejo de mudar a realidade em que vivemos. Nesse contexto, a experiência de
nossa fé cristã não pode deixar de levar a uma preocupação constante para a
construção de um mundo mais humano. Sendo assim, somos chamados a dar, à luz do
Evangelho, uma contribuição para a humanização da sociedade com a mensagem do
Evangelho como uma força libertadora que leva à conversão do coração e da
mentalidade.
Um
diagnóstico: O diagnóstico da situação do Haiti se
agrava tanto no campo econômico, no politico e quanto no social. O país aprofunda
cada vez mais numa dependência nesses campos. No campo político, há uma grande
divisão de classes, o problema de partidários políticos, uma oposição que não
abre mão de negociação, etc. Ainda nesse campo, há uma ocupação de tropas de
várias nações chefiada pelo Brasil (isso me faz lembrar uma frase do hino:
Du sol soyons seuls maîtres). Assim, os quatro cantos e os espaços do país:
a terra, o mar e o céu todos ocupados militarmente. Enquanto isso, o povo
permanece ou continua nas suas misérias e se vê cada vez mais explorado.
Como falar dessa forma de Soberania Haitiana?
Acho que a nossa soberania e os nossos direitos estão seriamente feridos.
Um
olhar pós-democrático: Após a implantação da democracia no Haiti,
o país enfrenta uma instabilidade política e várias crises que afetam
negativamente o seu desenvolvimento sociopolítico e econômico. Quando uma crise
parece estar resolvida, outros surgem. Neste contexto, a Comunidade
Internacional se vê num vai e vem, na tentativa de colaborar para resolver essas
crises. Por causa de tudo isso e de outros fatores não mencionados aqui, eu
costumava dizer: o problema fundamental do Haiti não é nada mais do que um problema sociopolítico
de onde vieram os outros problemas existentes no país, agravado pelo terremoto
de 2010. Tomando
conta da evolução desse contexto sociopolítico e suas consequências, mais uma
vez, penso que: o problema do Haiti, antes de ser internacional, é haitiano.
Por trás desse contexto, tem ainda uma corrupção generalizada e preocupante. Enquanto
uns nadam para sobreviver, outros se afundam em sofrimentos e preocupações; e
outros vivem na riqueza. A desigualdade social é o outro problema muito grave.
Uma
campanha midiática: Para agravar ainda mais a situação, a mídia
internacional insiste no uso e divulgação, de má fé, algumas imagens do país,
levando os telespectadores e ouvintes em erro e forçando-os a acreditar que o
Haiti é apenas um país da pobreza. Isso é absolutamente falso e desonesto. Eles
mostram uma face do país e escondem a outra. Em outras palavras, eles mostram a
pobreza e escondem a riqueza. Sendo assim, todo mundo acaba acreditando nessa
falsa imagem produzida e apresentada.
Os
verdadeiros responsáveis da situação: Essa situação de instabilidade
em que o país se encontra, os políticos haitianos, a grande maioria, são os
principais culpados. Além destes, existem outros grupos impedindo o crescimento
do país, devido aos seus interesses particulares. Essa instabilidade gera a
pobreza, a insegurança, a criminalidade, o desemprego, o medo etc. Com isso, há
mais tentação de deixar o país para ir para outro lugar.
Por outro lado, o país está privado de sua
autonomia política e econômica. Assim, as grandes decisões finais sempre vêm de
fora, impostas e condicionadas. Há sempre justificativas ideológicas.
Apesar dos problemas, de desespero e das
dificuldades, existe esperança e vontade.
A IGREJA
Recordando a viagem do Papa
João Paulo II, fez ao Haiti, ele se expressou nesta significativa
frase: "É preciso que algo aqui
mude" (falando do Haiti). O país viveu momentos dolorosos, que a
Igreja segue com atenção: divisões, injustiças, miséria, desemprego, elementos
que são fonte de preocupações profundas para o povo.
A pastoral da Igreja no
Haiti:
Antes de tudo, a Pastoral da Igreja consiste
em continuar a ação de Jesus
Cristo. Significa um olhar especial da Igreja em relação às
respostas que o mundo está necessitando, segundo os princípios do Evangelho.
Pois bem, comparando a pastoral da Igreja do
Haiti nos anos 80, pouco antes da queda da ditadura militar, com a de hoje,
pode-se ver uma diferença muito grande. Há uma carência (insuficiência ou
falta) na pastoral de hoje, ou ainda, uma descontinuidade. Descontinuidade no
sentido de não prosseguir com a mesma visão ou linha pastoral que buscava o bem
comum para todos numa ação solidária em várias comunidades organizadas. Essa
descontinuidade não é uma ruptura senão uma falta de continuidade, conforme
explicado acima.
Esses anos foram marcados por uma intensa
preocupação social, luta pela justiça, luta pela libertação, etc. Sendo assim,
houve um grande compromisso cristão, inspirado na Teologia da Libertação, que
buscava defender a mesma causa para uma sociedade haitiana mais digna e livre.
As várias comunidades cristãs se reuniram para compartilhar a Palavra de Deus,
como se fazia em todos os países da América Latina, inclusive os países do
Caribe, conhecido sobre o nome: Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
De fato, olhando ontem e hoje, sente-se que
há uma falta de continuidade de um projeto pastoral centralizado na urgência de
pôr em prática uma evangelização libertadora.
Como
pode o pobre viver em paz se ele não tem direitos de acesso e uma adequada
qualidade de vida?
Como
ele pode viver feliz se seus governantes são guiados pelo desejo de lucro e
pela sede de poder buscando seus próprios interesses?
Como
ele pode viver em paz se o bem comum não está em seu serviço, se não de uma
minoria?
2-
A
NECESSIDADE
Diante dos diversos problemas que afundam a
vida do povo, torna-se necessário descobrir os caminhos e colaborar nas
soluções. Para isso, é preciso uma responsabilidade comum.
Três décadas de instabilidade política (de
democracia), após a queda da ditadura militar no Haiti. Piorou ou melhorou a
situação?
Essa situação responde a uma necessidade
urgente para refletirmos e nos interrogarmos: O que se tem feito, o que se
deveria ser feito e não é feito? Como cristãos (batizados e seguidores de
Cristo), a situação nos exige uma resposta concreta. Não podemos ficar de
braços cruzados diante dos problemas esperando que aconteçam milagres. Somos
Sal da terra e Luz do mundo (Mt 5, 13-14).
O
que fazer agora?
A Igreja do Haiti deve se mover um pouco mais,
criando uma nova perspectiva pastoral, uma nova visão da realidade, uma nova estratégia,
uma nova metodologia, etc.
Uma nova perspectiva pastoral torna-se o
elemento-chave para realizar uma pastoral mais eficaz que seja capaz de
enfrentar a situação atual do país e que possa levar a um processo de
conscientização. Sendo assim, cabe à Igreja do Haiti uma nova ação pastoral com
a participação de todo o povo de Deus em busca de libertação.
Uma pastoral que se torna mais exigente, mais
eficiente e prática com o apoio de nossos pastores. Neste caso, a Igreja no
Haiti deve desempenhar um papel mais ativo como protagonista da história, na
construção de uma sociedade melhor, onde ela deve ser uma testemunha mais viva
e eficaz.
3-
SUGESTÃO
Como cristãos, temos a responsabilidade de
continuar a missão que Jesus Cristo deu aos seus apóstolos: viver e praticar a
sua Palavra. Para este fim, como exemplo, no Brasil acontece todos os anos, a
Campanha da Fraternidade, que tem como objetivo promover o debate público sobre
questões graves que afetam o país e os seus cidadãos. Então, olhando para a
realidade haitiana, questiona-se uma pastoral semelhante. Ou seja, uma Campanha
da Fraternidade, como uma nova perspectiva pastoral transformadora, levando em
consideração a releitura de alguns documentos do CELAM, como Medellín e Puebla, sob o impulso
renovador do espírito do Concílio Vaticano II.
A Campanha da Fraternidade é uma expressão
própria da atividade da Igreja do Brasil desde 1964. Nascida com o Concílio
Vaticano II foi convocado pelo Papa João XXIII, para despertar a consciência
dos cristãos sobre a necessidade de uma presença transformadora da Igreja na
sociedade. Os Bispos brasileiros perceberam a necessidade de uma ação mais
concreta, propuseram, desde então, cada ano, um tema de reflexão que termina
com um gesto concreto de fraternidade. O tema é escolhido a partir da identificação
de situações em que a vida está ferida. A escolha dos temas é feita pelo CNBB: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
É uma maneira de evangelizar, levando a palavra de Deus no coração de todos os
homens e mulheres para melhor Construir o Reino de Deus em uma fraternidade.
Por que não uma campanha semelhante no Haiti
ou a mesma?
Acho tal campanha seria um processo pastoral
de conscientização como uma nova evangelização com o objetivo de despertar o
espírito comunitário e cristão na sociedade; de acordar a consciência do povo
sobre a necessidade de uma presença transformadora. Os temas poderiam ser
escolhidos a partir da identificação de situações em que a vida está ferida. Ou
temas que abordam ainda a realidade social do povo haitiano.
Essa nova ação evangelizadora, com ações
concretas, com certeza trairia elementos positivos em todos os aspectos da vida.
Em outras palavras, um ato pastoral que mobiliza os cristãos, que exige a
participação ativa no trabalho de transformação da sociedade e que permite
enfim, assumir as nossas responsabilidades de uns para com os outros. A
pregação de Cristo é para a salvação do mundo e para a construção de uma nova
sociedade. Para a Igreja, a mensagem social do Evangelho não deve ser
considerada uma teoria, mas sim um fundamento e uma motivação para a ação
(Annus centésimo, 57).
CONCLUSÃO
Acredito que o compromisso de cada comunidade
cristã considerando a Palavra de Deus (o exemplo da atuação de Jesus), as
diretrizes pastorais, o retorno aos documentos de Medellín e Puebla; e o pastor
da Comunidade como guia. Estes são enfim o caminho traçado para lutar por uma
sociedade melhor, pois está escrito na nossa bandeira: liberdade, Igualdade e
Fraternidade.
Possuímos ainda as palavras: liberdade e libertação. Portanto,
é importante revisitarmos o passado. Isso nos ajudaria primeiro a um processo
de conscientização histórica. Esta nos ajudaria a ver realmente que devemos nos libertar, libertar tudo o que nos impede de
construir o nosso país e, finalmente, libertar o país.
A verdadeira mudança está no nível profundo
de mentalidades e corações, mas não seria nada se ela não produz resultados
visíveis.
Acho que somos, portanto, confrontados com
esse desafio pastoral, tanto urbano como rural.
Que essa sugestão seja uma contribuição
pastoral à Igreja do Haiti.
http://dieucelpierre.blogspot.com.br/2014/03/sugestao-para-uma-campanha-da.html?spref=fb
Pierre Dieucel
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