Uma
abordagem da teologia de Juan Luis Segundo
Pierre Dieucel[1]
(A teologia de Juan Luis Segundo é uma
boa notícia para o homem de hoje)
Esta reflexão pretende
apresentar, de modo sintético e com uma linguagem simples, o pensamento
teológico de um dos maiores teólogos do nosso continente latino-americano que
deixou uma das mais significativas contribuições para a teologia,
principalmente a teologia latino-americana. Trata-se de Juan Luis Segundo.
Para tal fim, três pontos
serão considerados. O primeiro buscará apresentar o autor. O segundo abordará o
seu envolvimento com a teologia, especialmente a Teologia da Libertação. Por
fim, o terceiro mostrará a sua ideia da Teologia da Libertação.
No decorrer de minha
formação filosófica, deparei-me com um livrinho, escrito pelos irmãos Leonardo
Boff e Clodovis Boff (intitulado: como
fazer Teologia da Libertação), traduzido na língua francesa: Qu'est-ce que la Théologie de la
Libération. Nas primeiras páginas, há dois fatos que me chamaram
atenção. Esses dois fatos descrevem toda a realidade na qual vive o povo do
continente latino-americano (opressão, exploração, fome, carências, pobrezas,
contradições, violências etc.).
O
primeiro fato se refere a uma mulher que não tinha nada que comer e começou a
sentir fome. Em plena missa, quando viu o padre distribuindo a comunhão, mesmo
que chegou atrasada, foi comungar só para aliviar a fome com um pouco daquele
pão! Afinal, o padre encheu os olhos de lágrimas, lembrando-se das palavras de
Jesus: “Minha carne (pão) é verdadeira
comida... quem de mim se alimenta, por mim viverá” (Jo 6,55.57) (p.11).
O segundo
fato é algo observado por um bispo em plena seca no Norte do Brasil. Uma
senhora com três crianças na frente da Catedral. O bispo sentiu que as crianças
estavam desmaiando de fome. Uma delas, que estava ao colo, parecia morta. O
bispo disse: “Mulher, dê de mamar à criança!” “não posso, senhor Bispo!”,
respondeu ela. O bispo insistia várias vezes e foi a mesma resposta: não.
Finalmente, por causa da insistência do bispo, ela abriu o seio. E estava
sangrando. A criança se atirou com violência ao seio e sugava o sangue.
Por trás
desses acontecimentos, podem-se se dar conta de diversas realidades, como por
exemplo, a situação da miséria, da fome, da pobreza, da desigualdade etc. Essa
situação e outras nos alertam: como
ser sinal e voz no meio do povo de Deus, de modo particular dos que sofrem.
De fato,
as coisas no livrinho que li, levaram-me a pensar muito mais na sociedade (Um
processo de conscientização) e entrar numa relação mais íntima com Deus. Foi a
partir daí que surgiu o meu interesse pela Teologia da Libertação e, em
seguida, que me deparei com Juan Luis Segundo. Daí começa a minha paixão pela
sua teologia.
Por que o
surgimento de uma outra teologia que se identifica como
"libertadora", se já há uma teologia: a teologia acadêmica ou tradicional? É uma pergunta que muitos
vieram fazendo e que continua até hoje nos debates teológicos.
Os
teólogos da Teologia da Libertação perceberam que a teologia acadêmica não se
interessava na realidade da situação de opressão e miséria do povo latino-americano;
assim era necessário que surgissem novas leituras e propostas capazes de
responder à realidade. Daí surgiu uma teologia que adota e fala de libertação, na Igreja, assumindo as
riquezas do Concílio Vaticano II. Este abre a possibilidade de interpretar
Jesus tentando responder aos diversos problemas presentes no continente
latino-americano. É dentro desse panorama que muitos teólogos latino-americanos,
inspirados nessas realidades (a valorização da história, da cultura, da
diversidade de formas de manifestação do encontro do homem com Deus),
buscaram redescobrir o Evangelho vivenciando-o por prática em busca de resgatar
os valores de Jesus Cristo para uma sociedade mais humana. Diante dessas
realidades, o teólogo tomou a decisão de levar o Evangelho em palavra e ação
aos pobres.
Esse novo modo de fazer
teologia não foi bem visto pela hierarquia católica devido à sua interpretação
que supostamente se afasta da fé da Igreja. Foi criticada e avaliada pela Santa
Sé através do documento “Libertatis
Nuntius”. Essa avaliação crítica se estendeu ao trabalho de alguns
teólogos, como Leonardo Boff e Jon Sobrino que foram admoestados.
Quanto ao Juan Luis
Segundo, um dos adeptos dessa teologia, percebeu que é uma teologia que está
infiltrada por demasiada ideologia e outros interesses particulares. De sua
parte, ele desenvolveu uma teologia que passou a ser suspeitada, mas não como
foi no caso do teólogo brasileiro, Leonardo Boff.
Pois bem, abordar a
teologia de Juan Luis Segundo é uma tarefa complexa e desafiadora. Complexa
porque se trata de uma teologia que aborda vários temas com profundidade. O
nosso objetivo, conforme já introduzido, é mostrar a ideia que ele teve da
Teologia da Libertação e como a desenvolveu. Vamos antes de tudo conhecer quem
foi Juan Luis Segundo.
Quem
é Juan Luis Segundo?
Juan Luis Segundo,
sacerdote jesuíta, nasceu no Uruguai (1925-1996). Estudou filosofia em São
Miguel da Argentina, de 1946 a 1948, e deu início ali também, em 1952, aos seus
estudos teológicos, mas terminou-os em Eegenhoven, Bélgica, em 1956. Fez seu
doutorado em Letras na Sorbonne, em 1963, com as teses: Berdiaeff – une réflexion chrétienne sur la personne, e, la cristiandad, una utopia? Foi fundador e diretor do Centro Pedro Fabro,
em 1965. Este Centro foi dedicado particularmente ao aprofundamento teológico
para leigos. O Centro, em 1975, depois de 10 anos, foi fechado por ameaça da
repressão militar do regime ditatorial que tomou o poder no Uruguai. Deu cursos
em várias Universidades, tanto no Uruguai quanto no exterior. Faleceu no dia 17
de janeiro de 1996, aos 70 anos de idade; 54 anos na Companhia dos Jesuítas.
Sua morte ocasionou impacto em nível internacional. Podia-se ler das agências
de notícias o fato: A Teologia da Libertação perdeu um dos seus pais e o humanismo contemporâneo um de seus
principais expoentes. Durante a missa da sua despedida, ele foi descrito
como um pioneiro, um sábio mestre e um
clássico dentro do melhor da teologia contemporânea.
Podia-se ler também no
jornal El país de Madri: O humanismo na América Latina vai de
Bartolomeu de las Casas, séculos atrás, até o pensamento atual de Juan Luis
Segundo. Ao longo dos trinta anos de sua vida de padre, de professor...,
uma participante de seus grupos de estudo disse o seguinte: “Nós só temos dois problemas com Juan Luis
Segundo. O primeiro: ele pensa que é um gênio. O segundo: ele o é” [2].
O
seu envolvimento e a sua ideia da Teologia da Libertação
Ele, voltando da Europa
com uma formação europeizada, influenciado por seus mestres, (mas isso não significa que ele se
expresse naquela mesma linguagem, pois segundo ele é algo alienante e utópico),
partiu da base teológica europeia para pensar a realidade do povo cristão
latino-americano. Ao mergulhar na realidade, sentiu a necessidade de um novo
pensar teológico.
Ele elaborou boa parte de
suas reflexões reformulando a fé cristã em vista das situações. Ele soube
aproveitar os estudos europeus, porém estes não conseguiram prendê-lo pelas correntes
de erudição europeias. Percebeu que para ajudar o povo a se conscientizar,
devem-se denunciar os mecanismos de distorção de alienação que existem na
religião. Para tal, ressalta que somente um método apropriado conduz a religião
a não se converter num fim em si mesma, mas a chegar a ser um elemento a
serviço da humanização de todos. Assim, segundo ele, para elaborar um
pensamento humanizador, não é suficiente ter um bom invólucro e bons
princípios. É preciso, pois, por um lado, suspeitar que a teologia que está
interiorizada na maioria dos fiéis, visa a despreocupá-los dos problemas da
humanidade. Tais como: da pobreza, da racionalidade unidimensional, da
passividade histórica[3]
etc.
Sendo assim, ele notou que
era muito falado os que faziam o discurso pela libertação. Acreditavam que
apenas dizendo essa palavra já mudavam a realidade. O que ele considera errado,
na visão dele.
Nesse sentido, ele se
preocupava com que o seu pensamento não caísse nessa esterilizante armadilha de
elaborar um discurso que apenas falasse de libertação, mas sim um discurso que
fosse capaz de libertar a teologia de tudo que é paralisador e alienante[4].
Perante essa observação, e ainda para que garanta mais sentido no seu
pensamento teológico, vê-se na obrigação de uma metodologia hermenêutica, em colaboração com os conteúdos. Resolveu
essa necessária metodologia no seu livro intitulado: Libertação da Teologia[5].
A finalidade não é tanto de analisar o conteúdo (os termos), mas sim o método.
Levando em consideração o
que até aqui foi apresentado, podemos reformular a pergunta: Qual foi a ideia de Juan Luis Segundo da
Teologia da Libertação e como a desenvolveu?
Juan Luis Segundo temia que
a Teologia da Libertação acabasse contribuindo com a opressão. Essa suspeita[6] o
levou a se interessar pela Libertação da Teologia, devido ao seu comportamento
ideológico que, em vez de ajudar reprime o potencial humanizador da fé. Nesse
sentido, de acordo com Coronado Jesus Castillo, a suspeita serve a Juan Luis Segundo como um instrumento metodológico
para fazer teologia[7].
Percebeu a falta de uma
coisa fundamental na Teologia da Libertação. Devido a essa falta, recorreu a
novas explicações metodológicas, antropológicas e epistemológicas, tentando ver
o que traz na hipótese de que faz Jesus de Nazaré e a tradição que vem dele, o
processo de humanização. Ao perceber essa falta, expressou-se desta maneira: “À Teologia latino-americana, quer a
chamemos ou não de Teologia da Libertação, falta-lhe uma cristologia”. Essa falta de Cristologia, segundo ele, constituía um vazio na Teologia da
Libertação[8].
Para alcançar tal
objetivo, além do seu recurso a novas explicações metodológicas, antropológicas
e epistemológicas, conforme apresentado acima, viu a importância de se
aproximar dos Evangelhos, especialmente dos sinóticos, para recuperar o
personagem Jesus Cristo: a sua
história, as suas opções, a sua proclamação etc. Daí a sua contribuição à
Teologia da Libertação, a cristologia
(cristologia da libertação). Foi isso que faltava, segundo ele, à teologia latino-americana.
Conclusão
Em termos de conclusão,
podemos trazer presente as palavras do lúcido teólogo peruano, Gustavo
Gutiérrez que mostram a importância e o valor das obras de Juan Luis Segundo,
ao ler:
A obra
de Juan Luis Segundo constitui a mais importante tentativa feita entre nós, na
América Latina, e de grande relevância em nível universal, de tratar
(criticamente) das múltiplas facetas da ruptura empobrecedora entre a fé e a
vida... Em seus escritos, constantemente buscou falar às pessoas de nosso
tempo. Soube fazê-lo com um especial interesse por aqueles que não compartilham
a fé cristã ou que, por um motivo ou outro, se sentem longe dela... Sua
informação e sua finura intelectual faziam com que suas páginas nunca deixassem
seus leitores indiferentes[9].
Ao abordar o pensamento teológico de
Juan Luis Segundo e, ainda de acordo, com as palavras do teólogo Gustavo
Gutiérrez, pode-se constatar que a metodologia empregada na Teologia da
Libertação, manifesta uma nova inteligência seguida por novos pensamentos. A
sua teologia tenta superar o espírito estreito teológico-clássico-disciplinar.
Por isso, ele produz uma teologia em diálogo, uma teologia crítica, uma
teologia aberta e uma teologia que abre novos horizontes de entendimento, cujos
ensinamentos são frutíferos. A sua teologia é, pois uma boa notícia para o
homem de hoje.
Que esse aperitivo seja algo que
motive os que desejam melhor conhecer e aprofundar o pensamento teológico desse
grande homem do nosso continente latino-americano que já se foi, mas seu
pensamento permanece vivo entre nós!
[1] É religioso. É um dos
simpatizantes do pensamento teológico-pastoral de Juan Luis Segundo. Realizou
seu trabalho de tese de bacharel em teologia sobre o tema: A cristologia de Juan Luis
Segundo como contribuição à Teologia da Libertação.
[2] Cf. SOARES, A. M. L.
(Org.). Juan Luis Segundo: uma
teologia com sabor de vida. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 7. Nesse mesmo livro,
pode-se encontrar sua biografia, p. 11-13. Outros livros que contêm sua
biografia: CASTILLO CORONADO, J. Livres e
responsáveis: o legado teológico de Juan Luis Segundo. São Paulo: Paulinas,
1998. SEGUNDO, J. L. O inferno como
absoluto menos: um diálogo com Karl Rahner. São Paulo: Paulinas, 1998, p.
3-4. SOARES, A. M. L. Dialogando com Juan
Luis Segundo. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 13-17.
[3]Cf. SEGUNDO, J. L. O inferno como absoluto menos. Op. cit., p. 6.
[5]SEGUNDO, J. L. Libertação da Teologia. Op.cit., 1978.
[6] Há 4 tipos de
suspeitas distinguidas por Juan Luis Segundo. A suspeita existencial-fenomenológica,
a suspeita ideológico-política, a suspeita antropológico-cultural e a suspeita
teológica (veja MURAD, A. A teologia visionária. Op. Cit., p.59-60).
[8]PALÁCIO, C. Dois conceitos
fundamentais na cristologia de Juan Luis Segundo. In: SOARES, A. M. L. (Org.). Juan Luis Segundo. Op. cit., p. 34.
[9]SEGUNDO, J. L. O inferno como absoluto menos. Op. cit., p. 4.
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